Ensaio sobre o frio 0 comentários

Já me perguntei por que os dias frios são mais contemplativos. A única conclusão que chego é que o frio te afasta dos preconceitos e te aproxima dos seus "bichos". O frio, em si, é uma ameaça. E não dá pra ficar imune à iminência de um ataque.

E quem são os seus bichos? Não sei. Só sei quando o tempo esfria. E lá eles ficam, como que hibernando. Porque eles não servem para serem usados no dia-a-dia. Eles maltratam, pegam de jeito, dizem a verdade, não comem pelas beiradas e, sim, pelo centro. Ninguém aguenta tanto e não dá pra ficar imune a si mesmo. Chego a imaginar que as pessoas foram feitas para ficar dentro de casa, longe dos estranhos nos dias frios. Sendo ele uma ameaça, todos estarão a salvo. Assim como eu estou aqui, agora, na companhia confortável do meu notebook, segurada pelas paredes do meu apartamento. Arrisco dizer também que os piores crimes da humanidade devem ter sido cometidos em dias frios.

O frio se assemelha muito com a condição de sub-humanidade. Ele isola, traz medo, desconfiança. Nessa hora é melhor mesmo se esconder. Ele traz a sua agressividade à tona. Aquela que você costuma mentir e dizer que não tem. Perdi as contas de quantas vezes não me imaginei em um cenário de Western, onde praticar a violência é legal e hollywoodiano.

O frio aguça a fome e perde o pudor do "por favor". Ninguém é lady ou gentleman quando se está com frio. Apenas animal (e não é SÓ isso que somos?). Dado momento você tem vontade de tirar a capa e cuspir no modelo de pele que vem adotando há tanto tempo. Dá nojo, eu sei.

É como o sexo, só que sem camisinha. No frio não há reticências, apenas pontos de exclamação. Enfrentar temperaturas baixas é como descobrir o medo de se estar tão próximo de gozar e não poder. A diferença entre 2 ou 5 segundos e 7 a 10 graus é a mesma que faz a gravidez ou a morte virarem realidade.

Vivo em um país tropical e o frio nos visita de forma muito diferente que em outros. Nunca viajei para fora, mas imagino o quanto mentes perversas e inescrupulosas devem se desenvolver em lugares onde o frio impera na janela e no coração dos seres humanos. Fico com receio até de visitar lugarejos como estes. Todavia, já me vi andando pelas estradas cheias de neve de sagas como "O Senhor dos Anéis". Lendo o livro em pleno verão brasileiro, a vontade era calçar botas e um belo casaco de urso para suportar uma longa caminhada de 10, 15 dias floresta adentro na companhia solitária de pássaros e seres encantados.

ALIÁS, por que a neve fascina tanto as pessoas? Ela não tem nada de bonito. Avalanches MATAM grupos de turistas avisados e desavisados, tiram a vida de quem não tem abrigo. Claro, mas ela é poética. "A Branca de Neve e Os Sete Anões" pregou isso. E lá está, encravado em nossas mentezinhas associativas. Príncipes e princesas despertam paixões ardentes no mais gélido cenário (olha o link com "sexo" aí de novo).

Comprovei, em resumo, uma tese antiga. Quando o tempo esfria, aquieto. Trago minhas trouxas de roupa mal lavada e as avalio minuciosamente. Aí não tem mais tempo de pensar no que é "limpo socialmente". Importa agora é descobrir, despentear, vomitar, gozar, cagar, morrer e ressuscitar.

Porque no meu país tenho tão poucos dias frios que seria sacrilégio gastá-los com depressão barata. Porque nasço outra vez toda vez que cai um grau centígrado.





Ode ao Senado- Parte 2 0 comentários

... Mas, ode a Murphy. Tudo pode piorar, sim senhor. Nesse momento, começa um desfile das mais variadas formas da palavra poder (nesse caso prounciado com "u" mesmo), somando-se quarenta e quatro vezes intercaladas por um gole d´água e uma ou outra preposição. Estavam todos convencidos de uma coisa: não havia mais repertório para aquele discurso. Seria impossível.

Quando ninguém esperava eis que surge mais uma. O "honradíssimo" orador fecha a noite com chave de ouro. Ou seria melhor dizer chave de cadeia? Preconceito é crime também para o presidente do Senado. Seria necessário lembrar isso para um homem que se orgulha tanto de seus mais de 50 anos de vida pública? Homem este que foi líder de governos, presidente de partidos que desenharam uma história de profundas mudanças sociais, filiou-se a outros um tanto polêmicos ...ufa! Só para citar algumas coisas.

Mas, o que importou foi o abraço. Qual abraço, você me pergunta. Aquele dado em cada um dos presentes em agradecimento pela atenção? Não. Estou falando da pose para mais uma foto na coleção da extensa vida pública do palestrante, junto ao diretor da faculdade.

Ode a Murphy!!
Ode à “democracia” (mão de ferro) brasileira!!

Ode ao Senado 0 comentários

Local quente e lotado. Gente amontoada.Tive que ficar em pé mesmo. Abstraí todo o resto para me concentrar no objetivo central: ouvir o palestrante. Na platéia, misto de ansiedade e impaciência. Afinal, um grande nome da política nacional estava prestes a pronunciar palavras de grande valia na formação dos jovens univesitários ali presentes.

Mas, aos poucos,toda a EXCITAÇÃO transforma-se em algo com o mesmo sufixo, mas totalmente diferente. A palavra para isso era DECEPÇÃO. Isso mesmo, decepção em seu grau máximo.

O "digníssimo" homem senil dá as caras logo após a execução do hino nacional. Depois de algumas palavras de "reconhecimento" aos serviços prestados (como se fosse um favor) por este à nação, o "excelentíssimo" diretor da mesa, cede seu discurso ao outro.

As palavras inicias são dispensáveis. Nada dizem além de um "agradecimento" (eu disse apenas um?) aos idealizadores do evento. Mais impaciência entre os ouvintes.

O falatório já durava meia hora ou quarenta minutos quando finalmente o palestrante se remete ao tema em um ligeiro lapso. Daí pra frente, uma "aula de história" por quem a viveu nos últimos 80 anos. Na pauta, assuntos como a definição da palavra Senado (na acepção do palestrante "Conselho de Velhos"), a criação do Senado Brasileiro pelos"saudosíssimos" políticos de um passado que ninguém ali viveu, entre outras pérolas originárias do sofismo político do palestrante.

Todos olham para o relógio. O prazo de uma hora dado ao orador está se esgotando...

Sócrates e os elfos 4 comentários

Algumas folhagens se agitavam. O barulho que o vento fazia entre as copas das árvores se misturava com os pequenos ruídos das criaturas. As mais variadas, diga-se de passagem. Orelhas peludas, pés descalços, seres com um olho só: tudo era possível.

Apesar de haver uma multidão, todos estavam muito compenetrados, até mesmo os calouros, ainda pouco habituados àquele ambiente. Faziam anotações de dúvidas e formulavam perguntas mirabolantes para sabatinar o orador mais preparado. Não perdiam nenhum detalhe.

Fui o responsável por anunciar o palestrante daquela noite. E assim foi. No entanto,
os aplausos calorosos perderam-se no tempo e espaço em que existiram. O palestrante não apareceu.

Uma hora depois, todos ainda aguardavam o misterioso convidado. A mesa organizadora já se desculpava pelo ocorrido. Muitos se levantavam (cada qual à sua maneira pitoresca), partindo sem maiores esclarecimentos. Rostos decepcionados e pequenos insultos eram facilmente detectados. A avidez inicial, compreensível pela relevância vital daquele discurso não pronunciado, transformou-se em desânimo coletivo.

No entanto, uma mensagem chegou nesse exato instante. Uma voz sem corpo entoou as palavras de um texto formulado em linguagem quase telegráfica:

“Caros iniciados,

Agradeço a presença de todos.
Desculpo-me pela minha ausência.
Não me interpretem mal, mas ela não era necessária.
Qualquer coisa que eu dissesse, vocês já saberiam”.

Com isso, unicórnios, magos e toda a sorte de seres mágicos, retiraram-se. As dúvidas ainda eram muitas. Mas uma única certeza bastava: tal como aquele homem grego, sabiam que as piores trevas estão naquele que não conhece a si próprio.